(Re)conhecer para esperançar: balanço de um ano com olhos no futuro
Chegados a este ponto do ano, é tempo de parar e respirar. Tempo de olhar para trás com olhos de ver - e de reconhecer. O mote que nos guiou ao longo dos últimos meses - “(re)conhecer para esperançar” - foi mais do que um tema inspirador. Foi, e é, uma convocatória a uma atitude, a uma prática e a uma responsabilidade que atravessa todas as dimensões do trabalho que desenvolvemos no IPAV.
Como inscrevemos no nosso código institucional, (re)conhecer é, antes de mais, um gesto profundamente humano. É voltar a ver o que já víamos, mas com outros olhos. Ao que está, tantas vezes, escancarado perante a nossa vista, mas não prestamos a devida atenção. É, por isso, uma perspetiva mais detalhada à marca singular de cada pessoa, de cada território, de cada história. É também reconhecer-nos a nós próprios, seja no nosso papel institucional, mas acima de tudo numa ótica pessoal - nas nossas hesitações, nas nossas convicções, nas nossas falhas e superações.
Este ano, procurámos criar espaços onde o reconhecimento fosse mais do que um ato de cortesia ou formalidade. Tentamos e repetimos várias vezes, quase como que num gesto de aperfeiçoamento que havíamos esquecido, entre pressas e prazos, corridas vorazes e, tantas vezes, inglórias. Tentamos e, com mais ou menos sucesso, fomos descobrindo novas formas, a partir do que está na nossa raiz mais profunda e honesta, de intenção e missão institucional: construirmos um mundo de Esperança onde cada pessoa reconheça e seja reconhecida no seu valor inerente e inalienável, e viva plenamente em coerência com a sua dignidade humana.
De forma humilde, fizemo-lo ao dar voz a quem tantas vezes permanece invisível - como quando escutámos e partilhámos histórias de pessoas em situação de sem-abrigo, com um convite obrigatório e necessário, à nossa humanidade comum. Fizemo-lo também ao refletir, com os nossos parceiros e comunidades Ubuntu, sobre as formas de liderança, cidadania e pertença que queremos cultivar. Fizemo-lo ao procurar respostas diferentes e agregadoras para os desafios que nos interpelam a partir dos nossos contextos de intervenção, seja do ponto de vista da polarização e da desinformação, da interculturalidade e do cuidado. E fizemo-lo, acima de tudo, ao afirmar que cada pessoa tem um lugar insubstituível no mundo e merece ser vista, escutada e celebrada.
Mas reconhecer não é apenas ver. É também confessar, assumir, valorizar. É dar nome aos erros, às fragilidades, às desigualdades. E, ao fazê-lo, abrir caminho à esperança - essa que nasce não da ingenuidade, mas da lucidez e do compromisso com o que pode (e deve) ser diferente.
Esperançar, como nos ensinou Paulo Freire, é verbo de ação. É construir, todos os dias, uma realidade onde a justiça e a dignidade sejam mais do que ideias bonitas perpetuadas num papel - sejam práticas quotidianas. Neste sentido, o reconhecimento torna-se a semente da esperança: sem ele, não há base sobre a qual possamos construir futuro.
Olhando para o que vem, o desafio é manter viva esta cultura do reconhecimento - não como um slogan, mas como uma prática institucional, relacional e transformadora. Isso implica criar rituais e espaços intencionais de valorização. Implica dar visibilidade aos invisíveis, valorizar o detalhe, agradecer o contributo de cada pessoa. Exige-nos, enquanto organização, também a continuar a revisitar os nossos próprios modos de ver e agir, para que não caiamos na tentação de “reconhecer” apenas o que já nos é confortável ou familiar, aquilo que dizemos de cor enquanto recitamos o que somos e fazemos.
O IPAV pode e deve continuar a ser um espaço onde se reconhece para esperançar. E o convite que deixo, em jeito de balanço, é que estendamos esse compromisso a todos os que caminham connosco: parceiros, instituições, comunidades, crianças, jovens e educadores/as. Que cada um de nós se torne agente de reconhecimento - e, por isso e em si mesmo, semeador de esperança.
Autor: Tânia Neves | Diretora de Formação e Conteúdos